Foi um paladino de uma ética cívica e comportamental em vias de extinção, exemplo acabado do mais dignificante cavalheirismo e fidalguia, paradigma de uma escola de dirigentes que Coimbra deu ao país e que marcaram o seu percurso por uma desassombrada independência, lealdade e coragem, quantas vezes pagas com revanchismos abjectos. Legenda para sempre viva de uma Instituição que amou e serviu como apenas mais alguns outros, o Dr. José Paulo Cardoso do Nascimento Cardoso deixou, em todos os que tiveram o privilégio do seu contagiante e inebriante contacto, um indelével traço de saudade, uma imperecível imagem de tolerância e companheirismo, um indestrutível exemplo de bondade, o orgulho supremo de ser Briosa.
Passa hoje mais um ano do seu prematuro mas infelizmente anunciado adeus. É para mim gratificante olhar com desvanecimento pelo seu périplo por esta vida, num mundo lusíada, então pluricontinental, e testemunhar a sua umbilical ligação a uma Académica que tanto amou. Recordar a sua correcta, esclarecida e sensata palavra, a fecundidade exemplar do seu magistério e, mesmo lá bem longe, em Moçambique, a ligação estreita com o emblema losangular e a mítica e sagrada palavra Briosa, fosse através de ditirambos escritos sobre Coimbra e a Académica, fosse pelo aconselhamento na contratação de jovens promessas que ali evoluíam, como Rui Rodrigues, e o saudoso Néne .
Treze anos volvidos da sua partida, seja-me lícito recordar alguns momentos em que sentado no banco dos réus, como se de um criminoso se tratasse, com visitas da polícia à sua residência para garantir,caso fosse preciso, a sua condução ao tribunal sob custódia num processo movido por César Grácio por alegada difamação em entrevista à “Bola” ali vertida a letra de forma, sobre esse ex-secretário geral da Federação portuguesa de futebol, então despedido da Praça da Alegria, pela própria Federação na sequência de um processo disciplinar sob a gravíssima e posteriormente comprovada acusação de falsificação da data de entrega de documentos favorecendo escandalosamente o Vitória de Guimarães para que N’Dinga pudesse jogar naquela temporada, através de um comportamento desviante e objectivamente reprovável.
Paulo Cardoso, segundo Grácio, havia posto em causa o seu bom nome (!) e pretendia ser ressarcido por isso. Defendido por João Gaspar, advogado curiosamente (?) da Federação e do vitória minhoto, e tendo como testemunha um tal de Amândio de Carvalho, perpétuo dirigente da FPF e um dos responsáveis na altura do tristemente célebre caso de Saltillo, o julgamento veio a ditar como era expectável por qualquer mente sadia, a total absolvição do Presidente da Briosa, acabando o julgamento por se traduzir num fortíssimo libelo acusatório contra Grácio e a Federação, deixando a olho nu toda a série de “indignidades” que ao longo dos tempos foram impunemente cometidas por uma classe dirigente que parece, ainda hoje, não ter aprendido a lição.
Ali para os lados do Saldanha e da 5 de Outubro, num quinto andar de acesso estreito e complicado, com o elevador sempre avariado, Paulo Cardoso, Sampaio e Nora, Jorge Anjinho, Rodrigo Santiago e outros que da memória se me escapam, lá cumpríamos a penitência de subir aquelas dezenas de íngremes e desajeitados degraus. Várias foram as sessões do julgamento e em uma delas, quando a delegação de Coimbra chegou, lá estava a inefável figura do dito Grácio, pedindo desculpa (!) pelo incómodo de nos fazer deslocar e estendendo a mão direita para o cumprimento. A mesma de que se serviu para falsificar o registo de entrada de correspondência na Federação. Teve azar. Jorge Anjinho, também ele tão precocemente desaparecido, seguia à frente, deixando-o de mão estendida, e dizendo-lhe de maneira bem audível “tenha vergonha, saia da minha frente, você não tem dignidade para me dirigir a palavra, quanto mais para me cumprimentar”. Virou-lhe as costas e seguiu caminho. Era assim, então, a Académica.
Muitos anos se passaram, mas o seu exemplo permanece. Vivo e actuante. Gravado para a posteridade na “Bíblia” da Briosa que o Mesquita e o Santana generosamente nos legaram. Para que a história se faça e o exemplo se multiplique. Para memória futura. Porque morrer é só não ser visto.
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